terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Alice e o Cavaleiro Branco

"Ao cantar as últimas palavras da balada, o Cavaleiro empunhou as rédeas e virou a cabeça do seu cavalo para a estrada pela qual tinham vindo. "Você só precisa andar alguns metros", disse, "morro abaixo e transpor aquele riachinho, e então será uma Rainha... Mas antes vai ficar e me ver partir?" acrescentou, quando Alice se virou muito animada para a direção que ele apontara. "Não vou demorar. Vai esperar e acenar com seu lenço quando eu chegar àquela curva da estrada? Acho que isso me daria coragem, sabe."
"Claro que vou esperar, disse Alice, "e muito obrigada por ter vindo tão longe... e pela canção... gostei muito dela."
"Espero", disse o Cavaleiro, sem muita convicção. "Mas não chorou tanto quanto pensei que choraria."
Assim, apertaram-se as mãoes e em seguida o Cavaleiro rumou lentamente para o interior do bosque. "Não vou demorar muito para vê-lo cair, tenho certeza", Alice disse de si para si. "Pronto! Bem de ponta-cabeça, como de costume! No entanto, monta de novo com muita facilidade... isso porque tem tantas coisas penduradas em torno do cavalo..." Assim ficou, falando consigo mesmo, enquanto olhava o cavalo a marchar pachorrento pela estrada e o Cavaleiro a levar trambolhões, primeiro de um lado, depois do outro. Após o quarto ou quinto tombo ele chegou à curva, e então ela lhe acenou com seu lenço e esperou até que ele sumisse de vista.
"Espero que isso o tenha encorajado", disse, enquanto se virava para correr morro abaixo. "E agora para o último riacho, e ser uma Rainha! Como soa grandioso!" Alguns poucos passos a levaram à beira do riacho. "Finalmente a Oitava Casa!" gritou, enquanto o transpunha num salto, e se jogou para descansar num gramado macio como musgo, com pequenos canteiros de flores salpicados aqui e ali. "Oh, como estou contente por estar aqui! E o que é isso na minha cabela?" exclamou assombrada ao erguer as mãos e pegar algo muito pesado e bem ajustado em volta da sua cabeça.
"Mas como isso pode ter vindo parar aqui sem que eu percebesse?" perguntou-se, enquanto a erguia e a punha no colo para tentar entender como aquilo fora possível. Era uma coroa de ouro."

Esta cena, em que Carroll pretende claramente descrever como espera que Alice vá se sentir depois que crescer e lhe disser adeus, é um dos episódios pungentes notáveis da literatura inglesa. "O amor efêmero que segreda através desta cena é, portanto, complexo e paradoxal: é um amor entre uma criança toda potencial, liberdade fluxo e crescimento e um homem todo impotência, aprisionamento, torpor e declínio"

4 comentários:

Júlia R. disse...

Linda cena... bela análise.
Parabéns, me deixou com vontade de ler o livro. =)

RaquelRuiz disse...

Não fui q analisei, tenho a versão comentada do livro.
Esse comentário específico é de Donald Racking no ensaio "Love and Death in Carroll's Alices", presente no livro Soaring with the Dodo: Essays on Lewis Carroll Life and Art, organizado por Edward Guiliano e James Kincaid.

Júlia R. disse...

Uh, que chique.
Ano passado foi lançada uma edição especial do livro (linda *-*), pena que o preço é uma facada.. Senão eu tinha comprado.
Mas enfim... ainda assim é uma bela análise. Ponto pro Donald Racking. hehe

RaquelRuiz disse...

Sim, é essa versão do livro q tenho.

"E se de repente a gente não sentisse a dor que a gente finge e sente?"